Não raras vezes, olho-me ao espelho e tenho dificuldade em reconhecer na imagem ali reflectida o Eu que sempre vi e conheci. Que sempre tratei por tu. A Rute mais cheinha ou mesmo obesa, a Rute mais calma, contida, ponderada e socialmente recatada.
Não sou do tempo das nossas avós em que se dizia que “gordura é formosura”, mas nunca encarei a obesidade e os problemas relacionados com o meu peso como entraves para fazer amizades ou para me tornar uma pessoa mais fechada e menos feliz, mas é contudo inegável que a minha forma física actual – com as consequentes mudanças de abertura, descontracção e a sociabilização que trouxeram consigo – fala por si. E do modo mais eloquente possível.
Através da adopção de um estilo de vida fit, transformei-me por completo. Uma mudança de atitude perante mim e os outros. Agora, muito mais confiante, desenvolta e feliz, consigo participar nos mais diversos eventos responder a muitas solicitações, aceitando com prazer e a maior das alegrias participar em jantares, frequentar bares, ir a karaokes, ver as provas de rally que tanto me encantam e tudo o mais que possa surgir na rápida sucessão dos meus dias.
Coisas que antes de ter perdido peso jamais ou muito dificilmente faria, porque eram causa de embaraço e mal-estar, sentindo-me invariavelmente envergonhada para me apresentar com o à-vontade necessário em locais públicos. A reforçar esse aspecto, não encontrava roupa, calçado ou acessórios apropriados que se adaptassem aos meus gostos e à imagem que queria passar ou apresentar. No fundo, à minha personalidade algo reprimida e de alguma forma castrada. Quando tinha a sorte de encontrar uma loja de roupa para o meu tamanho, o vestuário disponível não se articulava com a minha idade e era totalmente desprovido de graça e do estilo casual que sempre admirei.
Tinha uma vergonha enorme daquilo que todos poderiam pensar e dizer sobre mim e, para onde fosse, como que sentia que me perseguiam com os inevitáveis cochichos e ecos de “Ai, ela está tão gorda”. Basicamente não saía porque não tinha a confiança e auto-estima que hoje me caracterizam. As pessoas não se apercebem o quão difícil é ter excesso de peso e a forma como se é julgado.
Foram necessários quatro anos de transformação, mas volvido esse tempo e todos esses dias, mudei, voltei, venci, e actualmente sim, participo em vários eventos sem qualquer tipo de problema, constrangimento e com descontracção total perante a sociedade. Dá-me muito prazer e gozo desfrutar de tudo com confiança, segurança e face ao que todos possam pensar acerca de mim. Em contraste com os outros tempos de maior peso, sei que por onde passo todos – conhecendo-me ou não – me observam com outros olhos. Mais favoráveis, mais condescendentes, mais elogiosos. Fácil e frequentemente me apercebo do que as pessoas comentam: “Olhem para ela, como está elegante e jeitosa!”
Uma verdadeira lufada de ar fresco.
Não me é difícil consegui-lo. Posso finalmente vestir todos os tipos de roupa que existem no mercado, maquilhar-me, usar vários acessórios com uma facilidade e versatilidade enormes, para poder participar em toda e qualquer ocasião. A felicidade do meu dia-a-dia está reflectida no meu rosto porque o sorriso decidiu instalar-se e viver confortavelmente nos meus lábios. Deixei de sentir vergonha do meu corpo e sinto-me muito bem comigo mesma. Sempre que saio de casa, olho-me ao espelho e penso: “estou mesmo bem para onde vou!”
São abismais os contrastes inevitáveis com dias já idos e todas as suas inseguranças passadas. Mas isso transporta-nos numa imperiosa viagem ao passado e a uma tarde há quatro anos em que – com a ameaça de uma pena de prisão para a vida e em vida – me deram novas asas para voar.